Por: Nujood Ali e Delphine Minoui ( foto: Delphine Minoui)
(Revista Seleções- ed. 08/11)
Parte um
NUJOOD |
Todos dizem que os juízes ajudam
quem precisa. Por isso tenho de achar um deles e lhe contar minha história.
Sinto-me exausta. Está quente debaixo do véu, minha cabeça dói e sinto muita
vergonha.
Noto que um homem de camisa
branca e terno preto vem na minha direção. Um juiz, talvez, um advogado??
- Com licença, senhor, quero ver o juiz.
- Por ali, subindo a escada – responde ele, que mal me olha
antes de seguir na multidão. Meus pés parecem feitos de chumbo quando
finalmente piso no chão de mármore.
Espio
um grupo de homens fardados. Se me
virem, podem me prender. Uma menininha que fugiu de casa. Trêmula, agarro
discretamente o primeiro véu que passa, na esperança de chamar a atenção da
mulher que ele encobre.
- Quero falar com o juiz.
Dois
grandes olhos emoldurados de preto me fitam surpresos.
- Que juiz você procura?
- Leve-me a um juiz... não importa qual!
Ela me olha espantada.
- Venha comigo – diz a mulher, finalmente.
A porta
se abre e revela uma sala cheia de gente; na outra ponta, atrás de uma mesa, um
homem de bigode e rosto magro. Finalmente, o juiz. Sento-me, descanso a cabeça
no encosto da cadeira e espero minha vez.
- E o que posso fazer por você?- uma voz masculina me
desperta do cochilo. É uma voz estranhamente gentil. Esfrego os olhos e
reconheço. Em pé na minha frente, o juiz de bigode. A sala está quase vazia.
- Quero o divórcio!
Khardji
Em
Khardji, aldeia onde nasci no Iêmen, as mulheres não aprendem a escolher. Quando tinha uns 16 anos, Shoya, minha mãe,
se casou com meu pai, Ali Mohammad ah-ahdel sem protestar. E, quatro anos
depois, quando ele decidiu escolher uma segunda esposa, minha mãe, obediente,
aceitou a decisão. Foi com essa mesma resignação que a princípio, concordei com
meu casamento, sem perceber o que estava em jogo. Na minha idade, ninguém faz
muitas perguntas.
Omma -
mamãe – me teve do jeito que teve os 16 filhos: em casa. Cresci vendo omma cuidando da casa, ansiosa pelo dia
em que eu tivesse idade suficiente para ir com minhas duas irmãs mais velhas
buscar água na fonte. Eu tinha 2 ou 3 anos quando houve uma briga violenta
entre meu pai e os outros aldeões. Eu só sabia que Mona, a segunda filha e com no máximo 13 anos, se
casara de repente. Tivemos que partir de imediato.
Nossa
chegada a Sana’a foi um choque. A capital era uma confusão de poeira e barulho.
Fomos morar numa favela no bairro Al-Qa. Meu pai finalmente conseguiu emprego
de varredor do órgão de limpeza pública. Dois meses depois da partida, Mona
chegou com o marido que se impusera à vida dela tão de repente.
Na
escola do bairro, fui muito bem no primeiro ano e mal começara o segundo. Numa
noite de fevereiro de 2008, aba –
papai – me disse que tinha boas novas:” Nujood, você vai se casar.”
A
notícia veio do nada. Não entendi direito. A princípio, me senti quase
aliviada, porque a vida em casa se tornara impossível. Depois de perder o
emprego de varredor de rua, aba não
conseguira mais trabalho fixo, e o aluguel vivia atrasado. Meus irmãos se
juntaram aos vendedores de rua que, nos sinais de trânsito, batiam nas janelas
dos carros parados na esperança de vender uma caixa de lenços de papel por
alguns tostões. Depois, foi minha vez e da minha irmã Haïfa de tentar aquilo.
Não gostei.
Agora
com mais freqüência, aba passava as
tardes mascando khat com os vizinhos.
Afirmava que aquilo o ajudava a esquecer os problemas. Foi durante uma dessas seções de khat que um homem de unas 30 anos o
procurou: “Gostaria de unir nossas famílias.” disse ele, que se chamava Faez
Ali Thamer e trabalhava como entregador.
Ele
viera de Khardji como nós e procurava uma esposa. Meu pai aceitou a proposta.
Como a próxima da fila depois das duas irmãs mais velhas, a lógica era que eu
me casasse.
Naquela
noite, ouvi uma conversa entre Mona e nosso pai.
- Nujood é nova demais para se casar – insistia Mona.
- É a melhor maneira de protegê-la. Não será estuprada por
um estanho nem vítima de boatos maldosos. Esse homem é honesto. Prometeu não
tocar em Nujood até ela ficar mais velha. Além disso, não temos dinheiro
suficiente para alimentar a família inteira.
Minha
mãe não disse nada. Parecia triste, mas resignada. Em nosso país, é o homem
quem dá as ordens.
Continua...
Ei Márcia, vou aguardar os próximos capítulos desta história para fazer um comentário, mas confesso que até onde pude ler, sera correto a forma como os pais dela pensam?casa la com um estranho tão nova apenas pra protege la? sem lhe dar opção de escolha?mesmo que sejam os costumes,é algo dificil de se aceitar............
ResponderExcluirFiquei curioso para saber o resto da história. Triste é saber que isso também acontece com nossas crianças em regiões mais pobres e ninguém fica sabendo.
ResponderExcluiressa história nos faz dispertar uma outra realidade...
ResponderExcluirnão entendo porque tantos homens fazem mulheres sofrerem pela HONRA...
sei que pelo que eu aprendi honra não é isso, não é isso...