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terça-feira, 13 de setembro de 2011

"Sou Nujood, dez anos e divorciada."-Parte 1

O texto a seguir, conta a história de Nujood, uma garota obrigada a casar aos dez anos, ela teve que tomar atitude de uma mulher adulta, para poder ter sua vida de volta.
Por: Nujood Ali e  Delphine Minoui ( foto: Delphine Minoui)
(Revista Seleções- ed. 08/11)
Parte um
NUJOOD
  
 
Todos dizem que os juízes ajudam quem precisa. Por isso tenho de achar um deles e lhe contar minha história. Sinto-me exausta. Está quente debaixo do véu, minha cabeça dói e sinto muita vergonha.
Noto que um homem de camisa branca e terno preto vem na minha direção. Um juiz, talvez, um advogado??
- Com licença, senhor, quero ver o juiz.
- Por ali, subindo a escada – responde ele, que mal me olha antes de seguir na multidão. Meus pés parecem feitos de chumbo quando finalmente piso no chão de mármore.
                Espio um grupo  de homens fardados. Se me virem, podem me prender. Uma menininha que fugiu de casa. Trêmula, agarro discretamente o primeiro véu que passa, na esperança de chamar a atenção da mulher que ele encobre.
- Quero falar com o juiz.
                Dois grandes olhos emoldurados de preto me fitam surpresos.
- Que juiz você procura?
- Leve-me a um juiz... não importa qual!
Ela me olha espantada.
- Venha comigo – diz a mulher, finalmente.
                A porta se abre e revela uma sala cheia de gente; na outra ponta, atrás de uma mesa, um homem de bigode e rosto magro. Finalmente, o juiz. Sento-me, descanso a cabeça no encosto da cadeira e espero minha vez.
- E o que posso fazer por você?- uma voz masculina me desperta do cochilo. É uma voz estranhamente gentil. Esfrego os olhos e reconheço. Em pé na minha frente, o juiz de bigode. A sala está quase vazia.
- Quero o divórcio!
Khardji
                Em Khardji, aldeia onde nasci no Iêmen, as mulheres não aprendem a escolher.  Quando tinha uns 16 anos, Shoya, minha mãe, se casou com meu pai, Ali Mohammad ah-ahdel sem protestar. E, quatro anos depois, quando ele decidiu escolher uma segunda esposa, minha mãe, obediente, aceitou a decisão. Foi com essa mesma resignação que a princípio, concordei com meu casamento, sem perceber o que estava em jogo. Na minha idade, ninguém faz muitas perguntas.
                Omma -  mamãe – me teve do jeito que teve os 16 filhos: em casa. Cresci vendo omma cuidando da casa, ansiosa pelo dia em que eu tivesse idade suficiente para ir com minhas duas irmãs mais velhas buscar água na fonte. Eu tinha 2 ou 3 anos quando houve uma briga violenta entre meu pai e os outros aldeões. Eu só sabia que Mona,  a segunda filha e com no máximo 13 anos, se casara de repente. Tivemos que partir de imediato.
                Nossa chegada a Sana’a foi um choque. A capital era uma confusão de poeira e barulho. Fomos morar numa favela no bairro Al-Qa. Meu pai finalmente conseguiu emprego de varredor do órgão de limpeza pública. Dois meses depois da partida, Mona chegou com o marido que se impusera à vida dela tão de repente.
                Na escola do bairro, fui muito bem no primeiro ano e mal começara o segundo. Numa noite de fevereiro de 2008, aba – papai – me disse que tinha boas novas:” Nujood, você vai se casar.”
                A notícia veio do nada. Não entendi direito. A princípio, me senti quase aliviada, porque a vida em casa se tornara impossível. Depois de perder o emprego de varredor de rua, aba não conseguira mais trabalho fixo, e o aluguel vivia atrasado. Meus irmãos se juntaram aos vendedores de rua que, nos sinais de trânsito, batiam nas janelas dos carros parados na esperança de vender uma caixa de lenços de papel por alguns tostões. Depois, foi minha vez e da minha irmã Haïfa de tentar aquilo. Não gostei.
                Agora com mais freqüência, aba passava as tardes mascando khat com os vizinhos. Afirmava que aquilo o ajudava a esquecer os problemas. Foi  durante uma dessas seções de khat que um homem de unas 30 anos o procurou: “Gostaria de unir nossas famílias.” disse ele, que se chamava Faez Ali Thamer e trabalhava como  entregador.
                Ele viera de Khardji como nós e procurava uma esposa. Meu pai aceitou a proposta. Como a próxima da fila depois das duas irmãs mais velhas, a lógica era que eu me casasse.
                Naquela noite, ouvi uma conversa entre Mona e nosso pai.
- Nujood é nova demais para se casar – insistia Mona.
- É a melhor maneira de protegê-la. Não será estuprada por um estanho nem vítima de boatos maldosos. Esse homem é honesto. Prometeu não tocar em Nujood até ela ficar mais velha. Além disso, não temos dinheiro suficiente para alimentar a família inteira.
                Minha mãe não disse nada. Parecia triste, mas resignada. Em nosso país, é o homem quem dá as ordens.
Continua...

3 comentários:

  1. Ei Márcia, vou aguardar os próximos capítulos desta história para fazer um comentário, mas confesso que até onde pude ler, sera correto a forma como os pais dela pensam?casa la com um estranho tão nova apenas pra protege la? sem lhe dar opção de escolha?mesmo que sejam os costumes,é algo dificil de se aceitar............

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  2. Fiquei curioso para saber o resto da história. Triste é saber que isso também acontece com nossas crianças em regiões mais pobres e ninguém fica sabendo.

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  3. essa história nos faz dispertar uma outra realidade...
    não entendo porque tantos homens fazem mulheres sofrerem pela HONRA...
    sei que pelo que eu aprendi honra não é isso, não é isso...

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