Vestindo uma boina militar, condecorações e caminhando
com uma bengala, o veterano Samuel Willenberg lidera um grupo de
visitantes a Treblinka, na Polônia, onde funcionou um dos mais
conhecidos campos de concentração nazista. Em uma parte coberta por
floresta hoje, ele para e aponta: "Ali funcionava a plataforma. Todos os
trens paravam ali."
Não restou nada em Treblinka que lembre o campo de
extermínio onde morreram 87 mil judeus, a maioria em câmaras de gás.
Samuel Willenberg é o último dos sobreviventes de uma revolta de
prisioneiros judeus que aconteceu há 70 anos.
Samuel Willenberg visita Treblinka no aniversário de 70 anos da revolta Foto: BBCBrasil.com |
Ele chegou de trem a Treblinka em outubro de 1942, aos
19 anos, na companhia de outras 6 mil pessoas que foram retiradas do
gueto judeu de Opatow. Na chegada, receberam a ordem para tirar as
roupas para um banho coletivo. Na verdade, os banheiros eram câmaras de
gás.
Enquanto esperava, Samuel Willenberg - que era filho de
um pintor - reconheceu um conhecido entre os prisioneiros judeus, que
lhe fez uma recomendação. "Ele disse: 'Diga a eles que você é um
tijoleiro'. Em poucos segundos, um oficial da SS entrou perguntando
'Onde está o tijoleiro?'. Eu me levantei e mostrei a ele o avental sujo
com a tinta de meu pai, e isso o convenceu. Ele me mandou para as
acomodações dos prisioneiros com um chute no traseiro. Uma cidade
inteira, três grupos de 20 vagões, foi para a câmara de gás", contou
Willenberg à BBC.
Ele era um dos 750 judeus que trabalharam em Treblinka.
Sua função era vasculhar os pertences dos judeus que foram mortos nas
câmaras de gás. "Um dia eu estava passeando", diz ele, com a voz
embargada. "Naquele dia, eu olhei. Minha irmã menor tinha um casaco que
havia ficado pequeno nela. Minha mãe aumentou o tamanho das mangas com
um pedaço de veludo verde. Foi assim que eu reconheci (o casaco). Eu
ainda consigo vê-lo hoje."
Ele interrompe a história e diz que não consegue mais
falar. Mas em seguida ele continua. "Foi assim que eu fiquei sabendo que
minhas irmãs acabaram em Treblinka. Eu compreendi que eu não tinha mais
irmãs. Eu olhei, mas não chorei. Eu não tinha mais lágrimas, apenas
ódio."
Treblinka hoje tem um memorial em homenagem às 87 mil vítimas do campo nazista |
Revolta
Um pequeno grupo de prisioneiros planejou uma revolta. Os trens haviam parado de chegar a Treblinka em abril de 1943. O comandante da SS, Heinrich Himmler, visitou o local em março. Pouco depois, vários corpos foram desenterrados, para que fossem empilhados e queimados. Os nazistas tentavam acobertar os seus crimes.
Um pequeno grupo de prisioneiros planejou uma revolta. Os trens haviam parado de chegar a Treblinka em abril de 1943. O comandante da SS, Heinrich Himmler, visitou o local em março. Pouco depois, vários corpos foram desenterrados, para que fossem empilhados e queimados. Os nazistas tentavam acobertar os seus crimes.
As queimas deste tipo continuaram ao longo do verão
europeu de 1943. Os trabalhadores sabiam que seriam mortos assim que
terminassem a função. No dia 2 de agosto, com uma cópia de uma chave,
eles abriram a casa de armas da SS, distribuíram o arsenal entre si e
colocaram fogo no campo.
Em meio ao caos da fumaça, tiros e explosões, Samuel
Willenberg começou a correr. Ao seu lado, estava um amigo que era pastor
protestante, mas de origem judaica, conhecido como "o sacerdote".
"O sacerdote e eu começamos a correr, tentando fugir. Eu
tinha uma metralhadora. O sacerdote corria ao meu lado, até que foi
atingido na perna e caiu. Ele pediu que eu o matasse. Eu disse: 'olhe
para trás, para o campo de extermínio, onde sua esposa e seu filho foram
mortos' e dei um tiro em sua cabeça".
Ele conseguiu fugir pulando por cima dos corpos de seus
antigos amigos. Menos de 70 prisioneiros conseguiram fugir e sobreviver à
guerra. Depois da revolta, os nazistas demoliram o campo, que virou uma
fazenda administrada por uma família ucraniana.
Longe do campo, Samuel Willenberg tomou um trem para
Varsóvia, onde reencontrou a família. "Eu abri a porta para minha mãe.
Você não consegue imaginar o que é voltar do inferno e ver sua mãe e seu
pai. A primeira coisa que me perguntaram, depois, foi: 'Talvez você
tenha visto (suas irmãs) Itta e Tamara?' Eu nunca consegui contar para
eles que tinha visto suas roupas".
Willenberg juntou-se ao Exército secreto polonês e lutou
contra os alemães em agosto de 1944. Depois da guerra, casou-se e
migrou para Israel. Mas volta constantemente a Treblinka, liderando
grupos de jovens visitantes.
Sonho antigo
Este ano, Samuel Willenberg concretizou o sonho antigo de lançar a pedra fundamental de um centro educacional em Treblinka, desenhado por sua filha arquiteta, Orit.
Este ano, Samuel Willenberg concretizou o sonho antigo de lançar a pedra fundamental de um centro educacional em Treblinka, desenhado por sua filha arquiteta, Orit.
A maioria dos soldados alemães em Treblinka nunca foi
condenada pelos crimes cometidos ali. O comandante Franz Stangl recebeu
pena perpétua de prisão em outubro de 1970, após um julgamento em
Dusseldorf. Ele morreu na prisão no dia seguinte.
Outros dez réus também foram julgados em Dusseldorf.
Quatro receberam prisão perpétua, cinco ganharam penas de três a 12 anos
e um deles foi absolvido.
Imagem de 1943 mostra soldados nazistas alemães questionando judeus após o levante do Gueto de Varsóvia |
Judeu é preso em abril de 1943 por soldados alemães após o levante |
Imagem do início dos anos 40 mostra um bonde identificado com a Estrela de Davi, símbolo judeu, no Gueto de Varsóvia |
Oficial da SS alemã inspeciona grupo de trabalhadores judeus em abril de 1943 |
Imagem de 1943 mostra cena cotidiana do gueto de Varsóvia |
Imagem de 1943 mostra cena com crianças fugindo de um guarda no gueto |
Soldado alemão checa os papeis de um judeu no gueto em 1943 |
Imagem de 1943 mostra prisioneiros e guardas posando para fotografia em frente à prisão do gueto em 1943 |
Imagem de 1943 mostra família dentro de uma das casas do gueto
|
Homem carrega os corpos de judeus mortos no gueto |
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